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19 de Outubro de 2015

10 verdades sobre a vida de um seminarista

Seminário é uma instituição conhecida historicamente, mas extremamente desconhecida pela verdade dos fatos. Às vezes nos apegamos a estereótipos quase infantis como o de que um padre se faz como se faz receita de bolo: juntando um ingrediente aqui, outro ali, esperando o tempo necessário, e “voilà!”, forma-se um sacerdote perfeito. Não é tão fácil assim. Conhecemos os estereótipos, mas poucas vezes ouvimos falar a partir de dentro o que realmente acontece. Pensando nisso, seria possível elencar algumas verdades sobre a vida de seminário que poucas vezes são comentadas por aí, como as seguintes:

1. Formar não é colocar numa forma

Como dissemos, não se trata de juntar ingredientes ou fazer cálculos matemáticos. A formação sacerdotal é muito complexa. Em primeiro lugar porque cada um tem uma história própria. Em segundo lugar porque a configuração em Cristo é um movimento muito mais interior que exterior. Em outras palavras, requer força de vontade, convicção, caráter e, sobretudo, fé. A maior parte desse processo depende da disposição do candidato a adequar-se ao “molde” que chamamos Cristo. Você pode passar 8, 9, 10 anos formando um candidato. Se ele endurece o interior, não há forma capaz de conter a pressão que ele próprio representa. Portanto, formar é dar diretrizes para que o próprio candidato se converta à luz do Espírito Santo. Sem a participação ativa do maior interessado na vocação, não há forma capaz de dar o formato almejado. 

2. Há conflitos;

Mais uma vez aqui pesa a história de vida de cada um. Porém, essa talvez seja a mais natural das verdades sobre a vida de seminário. Afinal, todos viemos de determinados grupos, como a família, os amigos, o trabalho, etc. Se por um lado faz parte da nossa condição humana viver em sociedade, por outro cada pessoa que atravessa a nossa história representa um desafio. O mais interessante do convívio com as diferenças no seminário é que ele representa uma verdadeira escola para o convívio com fiéis (nem sempre agradáveis) da nossa futura paróquia.

3. Não passamos o dia rezando;

Eis mais um estereótipo pueril. Temos uma vida extremamente diversificada, ainda que disciplinada: jogamos futebol, lavamos louça, jogamos cartas, estudamos, rezamos, assistimos TV e até saímos para assistir a um filme de vez em quando...Não só na vida de seminário, mas para todos é importante ter uma rotina equilibrada, que contemple diferentes necessidades. Normalmente a formação sacerdotal cuida desses aspectos dividindo didaticamente a vida do candidato em quatro dimensões: Intelectual, Pastoral, Espiritual e Humano-afetiva. Isso é importante para que o futuro padre saia do seminário mais que intitulado padre, que saia com uma personalidade integrada e mais parecida com o rosto de Cristo.

4. Dizer sim todos os dias é mais difícil;

No começo temos muitas expectativas, queremos dar tudo a Cristo, até o sangue se fosse necessário. Com o tempo, assim como o namoro, as coisas vão se esfriando, o sim dito lá atrás vai aos poucos se transformando numa distante lembrança de um tempo que não volta. Às vezes temos a impressão de que estamos apenas nos arrastando e esperando o dia da ordenação (ou o da morte se não for pedir muito). Apesar de ser um desafio, dizer sim todos os dias vale muito mais a pena. Assim as coisas deixam de ter um peso para assumirem a bela dimensão da grandiosidade daquilo que esperamos.

5. Um padre não se faz no dia da ordenação;

Um dos nossos formadores sempre diz: “Um padre não se faz no improviso”. Grande verdade! Pode até parecer cansativo esse exemplo para alguns, mas se não acordo todos os dias para ir à missa no seminário, dificilmente terei disposição para instituir uma missa cedo na minha paróquia, ainda que seja uma necessidade para os fiéis. Outro exemplo: se não crio o hábito de rezar a liturgia das horas todos os dias, quando padre sempre inventarei alguma outra atividade “mais importante”. Criar hábito é forjar-se. Isso é difícil, requer sacrifício e abnegação. Porém, quando temos diante dos olhos o Modelo, Cristo Jesus, qualquer sacrifício se torna um ato verdadeiramente salvífico, para nós e para os outros.

6. Estudar teologia não é garantia de espiritualidade;

Passar quatro anos estudando teologia sem criar uma relação de amizade com Cristo é como construir uma casa sobre a areia. Não temos “encontros com Cristo” na sala de aula. Se alguém teve essa experiência, que me conte o quanto antes! Na verdade o relacionamento com Cristo é sempre anterior. Nesse contexto a teologia entra para aumentar o amor, para edificar as bases da construção.  Em suma, a frase atribuída ao papa Francisco sobre Bento XVI é válida para todos nós: “Teologia se faz de joelhos”.

7. Você aprende a ter misericórdia;

Misericórdia é a coisa mais bela que um homem pode oferecer a outro. Quanto mais quando essa atitude vem de um servo de Deus! O tempo de seminário é um tempo essencialmente de prova. Cada dificuldade, cada desafio, cada tristeza tem de servir como lição para que um dia o padre também se identifique com a miséria dos outros. Fica para sempre na memória do seminarista o abraço de misericórdia que Deus lhe estendeu numa situação difícil. É esse o abraço que o padre terá a oferecer ao mundo.

8. Nem todos atingirão a meta;

Por um lado infelizmente nem todos atingirão a meta, pois, como a parábola do semeador (Mt 13), muitas coisas podem acontecer com a semente ao longa do caminho. Por outro lado, felizmente, muitos descobrem a verdadeira vocação dentro dessa vocação. Seminário é tempo de discernimento. Temos de ter a consciência de que cada um que entra no seminário já é digno de louvor pelo simples fato de ter renunciado ao mundo para tentar uma vida em Deus. Não podemos julgar ninguém que deixa de ser seminarista como se tivesse aprontado ou abandonado a guerra na metade. Como cristãos, deveríamos acolhê-los bem em nossas comunidades e ajuda-los a recuperar o norte depois de uma experiência tão profunda quanto o chamado à vida consagrada.

9. Somos felizes;

Sim. Aqui não há tempo ruim. Podemos reclamar, dizer que as coisas poderiam ser melhores, mas na maior parte do tempo somos muito felizes. Podemos dizer isso com convicção porque não dá para ficar 24 horas confinado num lugar se não for por amor. Nessa dinâmica, descobrimo-nos felizes porque estamos próximos de quem mais queríamos estar: Jesus Cristo. Como diz o papa Francisco, “um santo infeliz é um triste santo”. Você pode até encontrar um seminarista mal humorado por aí, mas nunca infeliz, nunca mal humorado a ponto de estar sempre de cara amarrada. Eu mesmo nunca encontrei um desses. Talvez o nosso grande defeito seja justamente esse: somos felizes demais para se dar conta disso o tempo todo.

10. Solidão é diferente de abandono;

Somos celibatários por amor do reino de Deus, como diria São Paulo. O amor é pura relação. Por mais que não tenhamos uma companheira ao nosso lado, ficamos satisfeitos com a relação que assumimos com Deus e mais concretamente com a Igreja. Muitos querem arranjar um problema no fato do padre ou seminarista serem sós, como se fossem abandonados por tudo e por todos. Pelo contrário! Olhe ao redor de um padre...muitas vezes, de fato, ele tem dificuldade de encontrar tempo para si. Um padre só, sem vínculo unilateral, tem muito mais espaço para amar, seja a Deus ou o próximo. Portanto, ao ver um padre sozinho, não ache que ele está abandonado, ele só está amando da forma em que foi chamado a amar.

Agora que já sabemos um pouco mais do que se diz sobre os seminaristas, talvez tenha dado para perceber que esse caminho nem sempre é fácil. Importa a cada dia rezar para que tenhamos padres santos, pois aonde há um bom padre, há ali também uma parte do que o mundo precisa para ser melhor.

Vinícius Farias, 1º ano de teologia

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